sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Reflexão sobre avaliação de Recursos Educativos Digitais

            A Web 2.0  (O'Reilly, 2005) é caracterizada pela intensificação da participação (Jenkins, 2008). Fala-se em utilizadores participativos e na inteligência coletiva. A criação, a utilização e a remixagem de conteúdos tornam-se atividades comuns. As aplicações tornam-se acessíveis a todos e a rede está em constante mudança, o eterno Beta (O'Reilly, 2005; Basu, 2008; Mota, 2009). Como Hemetsberger (2003) refere, os utilizadores da rede passam de consumidores passivos a intervenientes ativos, a produtores. Atualmente, uma parte dos utilizadores da rede são os chamados prosumers [vide nota i], consumem, produzem e são consumidos.

            A reunião das características da Web 2.0 (conteúdo colaborativo; partilha; utilizador como mais-valia; organização de conteúdo por parte do utilizador; aplicações sem ciclos de lançamento) facilita a produção, resultando num crescimento dos recursos na rede.  Todos os dias surge uma multiplicidade de informações na internet. Os blogues, portais, repositórios estão por todo o lado e é inevitável deixar de consultar a internet para encontrar recursos úteis à educação.
A recente e generalizada disponibilidade de recursos educativos digitais na Internet encerra um grande potencial de transformação da educação.
(Recker, M. et. all., 2005 apud Ramos, J.L.; Duarte, V.D.; Carvalho, J.M.; Ferreira, F.M. & Maio,  (Graça, 2006)
            Este potencial é igualmente reconhecido por João Carlos Antunes do Centro de Competência da Beira Interior (Borges, 2007, p. 23) quando refere que os recursos disponíveis na internet têm potencialidades para se tornarem excelentes ferramentas para o professor.

Os Recursos Educativos Digitais (RED) são produtos em suporte digital destinados aos contextos de aprendizagem e serviços de suporte e apoio à sua utilização (Carneiro, 2010, p. 71). Ramos (Pedroso, 2008) refere-se aos RED como um produto de software ou um documento no seu sentido lato.  Para tal ser, deveria obedecer a algumas propriedades:
1.      Ter uma finalidade intrinsecamente educativa;
2.      Enquadrar-se nas necessidades do sistema educativo português;
3.      Ter uma identidade, uma autonomia, relativamente a outros documentos digitais;
4.      Corresponder a padrões de qualidade previamente definidos.

            Segundo Højsholt-Poulsen (Pedroso, 2008),  um dos maiores obstáculos, imperativo para a adoção dos Recursos Educativos, é simplesmente o de os professores não terem conhecimento das oportunidades.Essa ideia é igualmente transmitida pela equipa de Luís Ramos:
Os recursos existentes estão dispersos e desorganizados, não sendo fácil aos professores encontrá-los rapidamente. Os próprios professores admitem haver uma relação entre a familiaridade com a tecnologia e o conhecimento acerca de recursos disponíveis, assim como a qualidade e a diversidade da sua utilização educativa.  (Ramos, 2010)
Roberto Carneiro (2010, p. 71) afirma que a utilização de RED para alavancar a aprendizagem dos alunos depende da existência de uma vontade ativa por parte de cada docente e da concepção dos RED como uma ferramenta de trabalho diário. Berners-Lee justifica igualmente o sucesso de wikis e blogues com o entusiasmo com que os utilizadores os adotaram (Berners-Lee, 2000 apud Mota, 2009), ou seja, mais uma vez depende da vontade do utilizador querer consumir ou passar a ser produtor. Como um colega recentemente referiu, "a minha participação é voluntária, mas a classe docente é pouco voluntária."  Assim, é essencial apostar na formação profissional dos professores em exercício de funções, de forma a colmatar esta lacuna na parte ativa. Fernando Costa (Anibal, 2005) refere igualmente a necessidade de apostar na formação da classe docente.      
            Regresse-se à questão da abundância de informação e recursos na rede. Segundo Manuel Mota apud Carvalho (Graça, 2006),  a internet  é uma mina de ouro, mas numa mina de ouro, por cada tonelada de minério há cerca de 10 gramas de ouro, ou seja, quantidade não implica qualidade.
Se por um lado, com a Web 2.0, são facultados os instrumentos para produzir Recursos Educativos Digitais, por outro lado, a própria rede e as tecnologias de informação impõem uma mudança constante e ritmos de inovação que implicam uma constante atualização de conhecimentos. Novamente estamos perante uma necessidade de formação e de inovação constante para acompanhar o desenfreado ritmo da rede. Conseguirá a classe docente acompanhar este ritmo por muito tempo? Já se registam vozes que creem que as escolas não conseguem aguentar este compasso por muito mais tempo (Bates, 2012) (Levin).
A qualidade dos recursos educativos tem preocupado a comunidade educativa e as instituições responsáveis pela educação (Castro, Ferreira, & Andrade, 2011; Barrueco Cruz, 2010; Becta, 2008; Commonwealth of Learning & UNESCO, 2011; JISC, 2008). Assim, surgem iniciativas para avaliar e prover qualidade aos RED, cada vez mais abundantes na rede (epprobate, Recolecta, SACAUSEF ).

O que é qualidade? 

Segundo José Ramos (Pedroso, 2008), qualidade é uma propriedade atribuída a um produto de acordo com um conjunto pré-estabelecido de dimensões e de critérios. Já Nielsen (2000 apud Campos, 2009, p. 12) refere que é uma meta que implica um processo contínuo de planificação, análise, desenho, implementação, promoção e inovação, para assegurar que a informação cubra as necessidades dos utilizadores relativamente ao conteúdo, apresentação e utilização.
Segundo Campos (2009), a avaliação de recursos deverá ser um processo transparente e contínuo segundo determinadas dimensões de qualidade. Os recursos deverão cumprir critérios de qualidade previamente definidos.

Que critérios definir e como aplicar esses critérios?

São várias as propostas para avaliar recursos educativos digitais (Nesbit, Belfer, & Leacock, 2003). Apenas em relação à avaliação de portais educativos, Ana Amorim Carvalho (Graça, 2006) apresenta-nos vários conjuntos de critérios [vide nota ii] relativos à análise de um portal que parecem não ter fim. Como saber que critérios aplicar? Como saber se um conjunto de critérios se aplica melhor que outro a um portal ou a uma simples página de exercícios em formato .doc? O rigor da análise inicia com a escolha adequada dos critérios apropriados, mas como chegar a uma conclusão?  

Componentes de um portal educativo
Fonte: Carvalho (Graça, 2006, p. 61)
Tal como referido por Ana Carvalho nesta representação, um bom portal deverá conter todos estes indicadores de qualidade/componentes, sendo que estes não são estanques, mas estão interligados. Juntos contribuem para dinâmicas interativas, autossuficientes e de responsabilização na aprendizagem e na produção de trabalhos.

Que instrumentos para avaliar existem?

Estão disponíveis neste momento na rede alguns instrumentos de medição criados por várias entidades governamentais e não governamentais. Eles são indicadores de qualidade (Becta), guias (FECYT) (SACAUSEFII), grelhas orientadoras (epprobate, LORI, ERAC). O que estas têm em comum é o emprego de uma escala de níveis. Barrueco Cruz (2010) propõe na análise de repositórios espanhóis uma escala dicotómica muito simples: sim/não, facilitando a análise. Será possível uma escala igualmente acessível para empregar na avaliação de recursos digitais tal como software educativo ou recursos educativos digitais como portais, cursos, apresentações, blogues...
Existem alguns repositórios cuja avaliação (através da revisão) é efetuada pelos pares e/ou por membros dos repositório, como é o exemplo do Curriki, enquanto outras preferem o feedback de determinados utilizadores de renome. 
            Sinto que, como utilizadora da rede e educadora, ainda me escapa muito desta informação que está disponível e que deveria ser de fácil acesso a quem pretende utilizar/adaptar/criar RED.
            Esta demanda em busca da qualidade dos RED já existentes e aqueles que poderão vir a surgir é, no entanto, consumidora de tempo. Conseguirão as tentativas de avaliar os recursos acompanhar as mudanças na rede? Os indicadores de um bom portal ao longo do ano foram alterados, dos texto longos aos gifs, à simplicidade  de layout e design gráfico até à edição colaborativa online (Graça, 2006). Qual será a próxima evolução? Estaremos preparados a nível de criação de novos RED ou irão os educadores criar recursos usando tecnologias já ultrapassadas e indicadores de qualidade que já não respeitam os novos critérios de qualidade?


Notas:
[i] Termo criado por Alvin Toffler (1980) na obra Third Wave.
[ii] (Alexander e Tate,1999; Mich et al., 2003; Carvalho et al., 2005; Tillman, 2003; Grassian, 2000; Richmond, 2003; Beck, 1997; Smith, 2005; Kapoun, 1998; Tweddle et al., 1998; Greer et al., 1999)

Referências


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Barrueco Cruz, J. M. (2010). Guía para la evaluación de repositórios institucionales de investigation. Obtido em 16 de janeiro de 2012, de FECYT: Recolecta: http://www.recolecta.net/buscador/documentos/GuiaEvaluacionRecolectav1.0-1.pdf
Basu, S. (2008). Software is Forever Beta. Obtido em janeiro de 2012, de The Bytebaker: http://bytebaker.com/2008/12/12/software-is-forever-beta/
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Borges, J. (2007). Software livre na educação. Obtido em janeiro de 2012, de CRIE: http://www.crie.min-edu.pt/index.php?section=229&module=navigationmodule
Campos, F. (2009). Dos Recursos Digitais Educativos aos objetos de aprendizagem em contexto escolar. Obtido em janeiro de 2012, de Slideshare: http://www.slideshare.net/fernandocampos/dos-recursos-educativos-digitais-aos-objectos-de-aprendizagem-em-contexto-escolar
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